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O governo quer a reforma tributária?

Mônica Izaguirre Desde que encaminhou um novo projeto de reforma tributária ao Legislativo, em 28 de fevereiro deste ano, o governo federal tem reiterado seu interesse na rápida aprovação da proposta, sobretudo após o agravamento da atual crise internacional de crédito. Dado o seu potencial de desoneração de investimentos produtivos, a reforma pode, de fato, contribuir para minimizar a deterioração de expectativas do setor privado e, consequentemente, amenizar os efeitos da crise como fator de desaceleração do crescimento econômico brasileiro nos próximos anos. Na semana que vem, após exaustivo trabalho de costura política para contemplar preocupações de diversos Estados, o relator, deputado Sandro Mabel (PR-GO), apresentará seu relatório à comissão especial constituída pela Câmara para analisar o mérito da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em questão. Há inúmeras diferenças entre a PEC original e o substitutivo do relator, cujo redação está praticamente pronta. Mas a posição a ser tomada pelo governo em relação a uma dessas diferenças em especial revelará se é sincero ou não o discurso e, portanto, o suposto empenho do Executivo em favor da celeridade da reforma tributária. Se a pressa e o empenho existem, fica difícil compreender a resistência do Ministério da Fazenda em aceitar o reconhecimento, no texto constitucional, como propõe Mabel, de benefícios e incentivos fiscais já concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal com base no ICMS, para atrair empreendimentos privados. Quem acompanhou minimamente a tramitação desta e de outras tentativas de reforma tributária sabe que ela não tem a menor chance de ser aprovada sem essa convalidação. Os Estados travam hoje uma guerra entre si no STF, com inúmeras ações tentando derrubar incentivos uns dos outros. Sempre que um ato legal de concessão de incentivo está para ser derrubada, o Estado perdedor corre na frente, revoga o ato, para extinguir a respectiva ação judicial, e imediatamente baixa outro parecido para manter o benefício na prática. Se a proposta de Mabel prevalecer, no entanto, novos atos legais serão imediatamente proibidos e a guerra fiscal será imediatamente extinta. Se tal proibição não for conjugada com a convalidação de benefícios e incentivos já existentes, portanto, haverá um aumento da insegurança jurídica, já que as leis e atos legais já baixados ficarão sujeitos a ser derrubados sem possibilidade de substituição. A grande maioria dos governos estaduais não abre mão de obter a segurança jurídica a ser propiciada pela convalidação, com medo de perder empresas que se instalaram em seus territórios - passando a gerar empregos, renda e desenvolvimento - graças a incentivos fiscais concedidos à revelia do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz, colegiado de representantes de fiscos estaduais). Votar a favor de uma reforma que embuta tal risco para a economia local de seus Estados pode se transformar num ato de suicídio político para governadores, senadores e deputados federais. Não é por acaso que os governos de 22 Estados e do Distrito Federal já se dispuseram a mobilizar suas bancadas na Câmara em favor do relatório de Mabel, na hipótese de ele manter o reconhecimento dos benefícios e incentivos fiscais de ICMS em vigor. Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro ainda não se posicionaram de forma clara, mas o relator está certo de que vai convencê-los. O único governo estadual que está contra a convalidação é o de São Paulo, confirma Mabel. Há quem acredite, dentro do Congresso, que a preocupação com as eleições presidenciais de 2010 ajude a explicar a resistência dos paulistas. O governador José Serra, possível candidato do PSDB à sucessão de Lula, pode não estar nenhum pouco interessado que a reforma seja aprovada ainda no atual governo, já que isso poderia ser usado como um ponto a favor do candidato governista, seja ele quem for. É preciso lembrar que a convalidação dos incentivos pelo futuro texto constitucional tiraria a legitimidade de São Paulo para continuar glosando créditos tributários adquiridos pelas empresas em decorrência da compra de insumos em outros Estados, que concedem isenções, reduções ou diferimento de ICMS para estimular produção. Se, por um lado, serve para entender a posição do governo Serra, de outro, a lógica político-eleitoral da sucessão torna ainda mais incompreensível a rejeição preliminar do Ministério da Fazenda ao relatório de Mabel, no que diz respeito aos atuais incentivos. Afinal, viabilizar politicamente uma reforma que simplifique o sistema tributário e desonere o setor produtivo certamente ajudaria Lula a eleger seu sucessor. E é ilusão acreditar que é possível viabilizar politicamente a reforma ignorando o que já foi colocado como condição por 23 unidades da Federação, só para atender a uma exigência isolada dos paulistas. A Fazenda preferia uma proposta de consenso. Mas isso se mostrou impossível até agora. Tudo bem que a bancada de São Paulo é grande. Mas muitos são da base aliada ao governo e estariam dispostos a votar com Mabel, principalmente se o governo assumisse uma defesa enfática da única proposta que se mostrou, até agora, passível de reunir a grande maioria dos Estados. Talvez falte ao governo olhar com mais boa vontade para a última versão da proposta, que está longe de prever uma convalidação indiscriminada de incentivos. O texto de Mabel condiciona o reconhecimento à comprovação, pela empresa beneficiada, da realização de investimentos e de geração de empregos diretos em volume compatível com o porte do empreendimento. E caberá ao Confaz, ou seja ao conjunto dos Estados, estabelecer os critérios do que seja ou não compatível. Incentivos que não preencherem tais requisitos definidos pelo Confaz (nesse caso basta maioria) perderão validade em no máximo 24 meses após a promulgação da reforma. É preciso lembrar que os incentivos não vão durar para sempre. Se extinguirão naturalmente em seis (comerciais) ou doze anos (industriais), na medida em que a maior parte do ICMS for cobrada no Estado de destino e, portanto, de consumo.