Um bom observador das relações de negócios poderá afirmar, ainda que motivado por uma avaliação simplista, que elas se respaldam, em sua maioria, na estrutura bipartite constituída pelo fornecimento de produtos e pela prestação de serviços. Partindo-se desta premissa, podemos entender que as sociedades empresárias, tomando-se como único pressuposto a viabilização de sua atividade econômica, são intrinsecamente dependentes de um conceito simples, mas fundamental: a contraprestação, ou o pagamento, aos serviços prestados ou aos produtos fornecidos.
Ora, reconhecendo que esta contraprestação é, via de regra, efetuada sob a forma pecuniária, normalmente prevista em contrato instituído entre as partes como o meio pelo qual se vai remunerar o prestador de serviços ou o fornecedor de produtos, e que é, ainda, diluída nos meses de duração do acordo, sendo suscetível, portanto, à desvalorização da moeda, podemos imaginar que existe uma pergunta que reiteradamente deve passar pela cabeça de todos aqueles que atuam no polo ativo ou passivo dessa relação e que muitas vezes vai ditar a viabilidade do negócio: os valores monetários acordados no instrumento podem ser reajustados em periodicidade inferior a um ano? A resposta pragmática é não. A Lei nº 9.069, de 1995, que instituiu o Plano Real, é taxativa ao afirmar que a cláusula que prevê o reajuste nos contratos não poderá ser aplicada desta forma.
Controvérsias à parte, já que a referida lei fala expressamente em correção monetária e é sabido que o conceito de reajuste pode ser muito mais amplo que isso, o fato é que a imensidão da doutrina, bem como os usos e costumes relacionados ao mundo dos contratos, já institucionalizaram este conceito e hoje o praticam automaticamente, engessando, a sua própria maneira, a complexa e dinâmica economia de mercado.
Um curioso efeito inerente a essa discussão, traduz-se pelo fato de que a maioria das pessoas passou a ver qualquer tipo de pleito para alteração das contraprestações pecuniárias, antes de um ano, como algo terminantemente proibido, quase uma afronta ao princípio da boa-fé contratual. Obviamente que isto não procede.
A pergunta a ser feita, portanto, deveria contemplar a seguinte questão: os valores monetários acordados no instrumento podem ser repactuados em periodicidade inferior a um ano? Nesse caso, a resposta seria sim. Para muita gente, os conceitos de reajuste e repactuação de valores podem parecer a mesma coisa, causando inclusive o mesmo efeito no contrato. Definitivamente não é.
O reajuste de valores estabelecidos nos contratos é um ato eminentemente unilateral, que ocorre em uma periodicidade pré-determinada - esta sim limitada pela lei - e depende normalmente da aplicação pura e simples de fórmula paramétrica, ou apenas do respectivo índice de correção monetária. Neste caso, como existe a pré-fixação de um gatilho, ele é acionado independentemente do consenso entre as partes, ganhando vulto de obrigação irrefutável e merecendo, portanto, a tutela legal.
A repactuação dos valores, por sua vez, é um ato bilateral, que pode ser invocado por qualquer uma das partes e ocorrer em qualquer momento durante a relação contratual. Ela tem uma função essencial: evitar a onerosidade excessiva no contrato e a consequente resolução de seus termos, haja vista a permissibilidade contida no artigo 478 e dispositivos seguintes do Código Civil brasileiro, que faculta àquele cuja prestação se tornou excessivamente onerosa, a extinção do pacto ou o ajuste de suas condições.
Assim, a repactuação de valores, diferentemente do reajuste de valores, só pode ser efetivada mediante o consenso das partes ou, no pior dos casos, através da provocação jurisdicional, o que lhe concede um caráter muito mais justo e coadunado com os princípios básicos dos contratos. Pode-se pedir, inclusive, a diminuição dos valores e não apenas o seu incremento.
Verifica-se, deste modo, que não existe vedação legal à repactuação em periodicidade inferior a um ano, podendo-se praticar este instituto a qualquer tempo, desde que haja a necessidade e a vontade para tanto.
Isto se faz bastante útil, por exemplo, quando existe um contrato de prestação de serviço cujo reajuste não previu eventual dissídio coletivo, ficando a empresa prestadora em uma situação fática onde percebe que a contraprestação não será suficiente para arcar com os custos totais do serviço. Nesta hipótese, em vez de ter que aditar o contrato, mudando a fórmula paramétrica para prever o acerto referente aos custos extraordinários - custos este que teriam de esperar, de toda forma, até o próximo reajuste - pode-se pleitear à outra parte a repactuação da contraprestação paga, demonstrando-se o prejuízo iminente, a impraticabilidade da manutenção das condições até então vigentes e atuando conjuntamente para incorporar os novos percentuais de custo atinentes ao contrato.
Outro caso claro seria o de fornecimento continuado de produtos cujos custos estão ligados à correção do dólar. Em um determinado momento fixa-se um reajuste pelo IGPM, por exemplo. De uma hora para outra o dólar sofre uma brutal alteração, o que inviabiliza o fornecimento dos produtos sem o ajuste dos valores. Faz-se então a repactuação, chegando-se a denominadores comuns de forma razoável, recíproca e tempestiva.
De todo modo, estas são apenas algumas das inúmeras situações que ocorrem usualmente. O que importa, em verdade, é que haja sempre a disposição para começar a entender o instituto da repactuação não como algo nocivo, responsável por ferir o "pacta sunt servanda" ou mesmo a segurança jurídica das relações contratuais, mas sim como uma alternativa plausível de negociação legítima entre as partes, responsável por viabilizar negócios, mitigar riscos e evitar o litígio, de modo a instituir um novo critério de periodicidade lastreada em um princípio fundamental, denominado simplesmente livre arbítrio.
Rodrigo B. Fontoura é gerente jurídico da Empresa Energética de Mato Grosso do Sul -Enersul e professor de direito empresarial e administrativo.