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A prescrição de tributo inconstitucional

Só o Supremo tem competência para restringir os efeitos retroativos

Só o Supremo tem competência para restringir os efeitos retroativos

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente reafirmou seu entendimento - Resp 1.002.932/SP (recurso repetitivo) - de que o prazo prescricional para a restituição do indébito tributário inicia com o pagamento feito pelo contribuinte, independentemente de declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal (STF).

Como esse precedente não produziu efeito vinculante, sustentamos que ele poderá ser revisto, em razão de vício por ilegalidade. Isso porque o artigo 27 da Lei nº 9.868, de 1999, dispõe que, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Portanto, somente o STF tem competência para restringir os efeitos retroativos da inconstitucionalidade. Vale lembrar que a Súmula Vinculante nº 10 do STF não permite que essa norma seja simplesmente afastada.

Em razão dessa competência que lhe era imanente, o STF sempre pautou o início da prescrição do indébito inconstitucional pela sua declaração com efeitos ex tunc e erga omnes - REXT nº 32.631-PR, 2ª Turma, 26/06/59, relator ministro Vilas Boas, in RT 295/709, e pelo menos outros 97 acórdãos (sítio eletrônico do STF), ao longo dos 46 anos que fluíram até a virada jurisprudencial promovida pelo STJ (ERESP 435.835/SC).

Destaque-se a vivência do ministro Sepúlveda Pertence na questão relacionada aos efeitos da inconstitucionalidade de tributos: "Certa vez, fui consultado por técnicos de determinado setor governamental sobre uma proposta de decreto-lei. Lembro ter dito: Este decreto-lei não passa pelo primeiro juiz de plantão, a inconstitucionalidade é bradante. A resposta foi mais ou menos assim: Quem somos nós, doutor procurador, para discutir questão de inconstitucionalidade com vossa excelência? Mas veja vossa excelência o que está ocorrendo com a questão constitucional "x". Há quatro anos, a União não teve sequer uma sentença, de qualquer instância, a seu favor; no entanto - dizia-me o técnico -, a arrecadação real está por volta de 85% do previsto, porque a grande maioria não vai a juízo. Sobretudo com os pequenos tributos é o que sucede, de tal modo que é grande o risco de estimular aventuras, se asseverar-se, mais ou menos em linha de princípio, que leis tributárias só se declararão inconstitucionais com efeitos ex nunc. Aí, provavelmente, a questão já estará morta" (Adin nº 1102-2/DF).

A história respaldava a preocupação do STF. Veja-se o desabafo indignado do ministro Luiz Octávio Gallotti, que bradou: "É preciso acabar com as inconstitucionalidades úteis" (discurso de posse na presidência do STF, 1993).

O próprio Valor Econômico, em 27 de setembro de 2006, mostrou como funciona essa "inconstitucionalidade útil" para o governo, que, num só tema, confiscou R$ 18,48 bilhões dos contribuintes ("Cofins abarrota tribunais e ações atingem R$ 35 bi").

Assim, como água e óleo não se misturam, a inconstitucionalidade declarada com seus efeitos plenos separa o indébito comum - aquele produzido diante da validade da norma matriz - da indenização devida pelo erário, a impor a restitutio in integrum, como sempre proclamou o Supremo Tribunal Federal: "Declarada, assim, pelo Plenário a inconstitucionalidade material das normas de natureza tributária, porque feita a título de cobrança de empréstimo compulsório, segue-se o direito do contribuinte à repetição do que pagou (Código Tributário Nacional, artigo 165), independentemente do exercício financeiro em que tenha ocorrido o pagamento indevido" (STF, RE nº 136.883-RJ).

Sustentar o contrário, sob o pálio da vertente doutrinária que entende declaratório o efeito da inconstitucionalidade, é, permitida vênia, defender a mais paradoxal das posições, pois somente o contribuinte impontual ou sonegador se beneficiaria da inconstitucionalidade, segundo o artigo 475-L, parágrafo 1º , do Estatuto Adjetivo: "Considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal."

Tal vertente doutrinária desconsidera o "efeito destrutivo" que a inconstitucionalidade produz na presunção de legalidade da norma e na confiança do jurisdicionado nos atos do Poder Público.

A se conferir maior nitidez à violação do artigo 27 da Lei nº 9.868, de 1999 pelo atual entendimento do STJ, pergunta-se: Se o STF tivesse declarado a inconstitucionalidade da obrigação tributária com efeito "ex nunc", poderia o STJ conceder ao contribuinte os últimos cinco anos de pagamento indevido? A nosso sentir, não.

João Carlos Meza é advogado, especialista em direito tributário e sócio responsável pelo contencioso fiscal do Meza e Machado Calil Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações